Eis que ressurgimos…

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IMG_8241As vezes, com o passar do tempo, ficamos perdidos. Nao enxergamos o que esta diante dos nossos olhos. Na verdade, com os problemas frequentes, esquecemos de notar o quanto evoluimos e nos tornamos seres melhores.

Quem nao gosta de ser visto de uma forma diferente? Digo, é muito bom chegar em algum lugar e ouvir: “esse cara é legal pra caramba!” Adoramos ser lembrados, adoramos ser unicos, adoramos estar em evidência.

Durante muito tempo, tentei aprender a ser como o mundo me pedia para ser. Quero dizer, no amor, no trabalho, na vida social. Comecei a tomar decisoes que jamais tomaria em tempos de outrora.

No amor, voltei atras muitas vezes. Dei inumeras chances. Pedi desculpas. Quis fazer delas a coisa mais importante, deixei meu ego de lado… NOssa! Quantas vezes me machuquei! Vi e percebi que nao estava preparado para isso. Por mais que estivesse com a sensaçao de querer “dar uma parada”, relaçoes nao sao o meu foco. Mais ainda: nao existe ninguém capaz de me fazer largar tudo para viver um grande amor.

Em minha vida social, tentei formar alguns vinculos de amizade. Mostrei o cara engraçado que posso ser. Mostrei que sabia contar piadas e que era o “amigo artista”: aquele maluco conhecido mundo afora que sempre faz as doideras do grupo. Infelizmente, nunca pude formar verdadeiros circulos pois, para que algo seja de “verdade verdadeiro”, precisamos de tempo, disposiçao e acima de tudo, investimento nas relaçoes. é o tal do: “vou passar no sua casa pra nao fazer nada.” Como estou constantemente na sala de treino, abortei muitas possibilidades.

No trabalho tentei ser o melhor que pude para entrar no Cirque du Soleil. Acreditei com todas as forças que estava em um dos melhores momentos de minha vida. Criei coragem e ouvindo conselhos de todos os lados, montei um video mostrando que poderia ser muito bom em tudo que propunha. Mais do que isso: tinha o diferencial de ser ator, dançarino e palhaço. Sem sucesso, engoli a seco a leitura do e-mail que me pedia para reenviar meu material dentro de algum tempo, pois eu nao era o perfil do cirque.

A unica coisa no trabalho que nao abandonei, foi o teatro de rua. Escutei muito a respeito. Vi que muitos invejam minha posiçao de artista independente. Nao é facil dar a cara pra bater na rua. Ali, você apanha de verdade e doi muito! Mas é como mulher de malandro: com o tempo, você se acostuma.

Hoje foi um dia muito dificil. Acordei cedo e estava preparado para mais um dia de trabalho. Talvez fosse um dia normal, como qualquer outro. Iria me apresentar na festa de uma cidade e depois na praia. Quatro espetaculos no total. 4 horas de show e duas horas de estrada.

Ao chegar na primeira cidade, depois de tudo preparar, me trocar e partir para o centro da cidade, a roda da minha charrete quebra. Resultado: impossivel de levar o material até o centro, pois estava a mais ou menos 2 quilometros de distancia.

Decido voltar onde estava instalado e procurar uma soluçao provisoria. Me lembro de uma outra charrete que tinha. Antiiiiiiga! E toda ferrada. Mas dava pra quebrar o galho. Infelizmente, tinha perdido a chance de me apresentar na primeira cidade pois, ja era16 horas e eu tinha que ir para a praia fazer o espetaculo noturno. Na praia, você nao pode se apresentar durante a tarde: é muito quente e as pessoas vao se banhar. Eu também ;o) Por volta das 18 horas, elas saem da praia, voltam para os acampamentos, casas, hoteis…. e vao comer nos restaurantes. 20:30 é o horario em que elas começam a caminhar pela orla da praia. é ai que eu “ataco”. Normalmente, duas sessoes: 8:45 até 9:45 / 22H até 23H. Dois espetaculos sempre cheios.

Mas hoje, quando estava indo para a praia, vi no vidro do meu carro o pior sinal do mundo: CHUVA! Definitivamente, aquele nao era um dia para espetaculos. Mas mesmo assim, fui ate a praia e disse a mim mesmo: pelo menos verei se tem gente por la para amanha. Eu tenho isso comigo: NUNCA DESISTO! VOU ATE O FIM DAS POSSIBILIDADES.

Cheguei na praia e seguindo o cronograma, as pessoas estavam pelos restaurantes. Entretanto, uma chuvinha rala que nao passava, incomodava os poucos que resolveram caminhar pela orla.

Triste, mas nao desanimado, decidi comer também. Sem pretensoes de me apresentar durante a noite, vi que estava mudado. Que nao reclamava mais como antes. Que a experiência adquirida com o tempo, me fez entender que tudo aquilo era normal. Que fazia parte de um trabalho normal.

Nessas ultimas semanas, tive momentos magnificos: visitei e me apresentei em Bordeaux, Toulouse, Lille, Paris (França), Amsterda (Holanda) e Liége (Bélgica).

Tenho muitas historias pra contar. Boas, ruins, espetaculares. Mas, em todas essas cidades, a unimidade foi tentar fazer as pessoas entenderem que nao estou fazendo “palhacinho de festinha infantil”. Quero dizer, me fazer escutar, entender que estou ali trabalhando e fazendo um bem danado para eles. Infelizmente, o publico esta acostumado com hippies, mendigos, drogados, falsos artistas…. Todos pedindo dinheiro e habituando muito mal o publico.

Muitas vezes, as pessoas estao em meu show e vejo que elas esperam o momento certo para ir embora. Para nao ter que pagar. Nao porque nao estou gostando do show somente, mas porque ja pagam o tempo inteiro e buscam desculpas para nao ter que pagar de novo. Entendo perfeitamente.

Entretanto, se olharmos direitinho, a uniao faz muito a força. Quero dizer que, assim como funciona o Estado, se você pelo menos tenta educar seu publico, estara fazendo um bem danado nao so para você mas para os artistas que virao.

Quantas vezes vi, artistas no farol ou nas ruas, fazendo pequenas performances e passando o chapeu e quando questionados sobre o porquê de estarem ali, a resposta sempre a mesma: porque é mais facil ganhar dinheiro assim

Nao sou melhor do que os outros, mas, enquanto “eles” querem o minimo de apetrechos de cena, eu quero o maximo: carpete, luz, som, acessorios… Enquanto “eles” estao vestidos como se fossem ao restaurante, eu ponho um figurino e maquiagem. Da trabalho? Claro que da!!! O publico paga o suficiente depois de todo esse trabalho? Claro que nao!! Mas por que você faz entao? Porque isso se chama “educar o publico”. Eles precisam entender a diferença entre espetaculo, performance e mendigar. Um artista, que pode ser magnifico em um circo ou teatro, pode se transformar em um grande bosta na rua. Existe um tempo diferente, existe uma pegada diferente, tudo é diferente. E o grande erro dos novatos, é querer trabalhar o chapéu antes de trabalhar o espetaculo. Existe uma conversa entre artistas que diz: para fazer rua, tem-se que no maximo fazer um numero de 10 minutos e depois chapeu. Eu nunca, nunca aderi a esse formato. Testei algumas vezes, mas nao me sinto merecedor do dinheiro do publico com apenas 10 minutos de qualquer coisa. Isso pra mim é ganhar dinheiro facil e acredito que, o publico pensa igual. Eles pagam? Sim. Mas é como o circo pequeno, que chega na cidade. Você decide levar a mulher e os dois filhos. De cara, 50 reais com entradas. Mais 20 para 4 sacos de pipoca e 10 para as bebidas. Você assiste a um espetaculo mediano e quando começa a ficar um pouquinho bom, intervalo. Aparecem pessoas vendendo as luzes a 20 reais cada. Você compra duas pois tem dois filhos. Resultado: 100 reais e pau no cu do proximo circo!

Os donos de circo preferem comprar uma maquina de pipoca do que uma nova cortina para o show.

So por isso, muitos circos fecharam as portas. Nao existe real preocupaçao com o gosto do publico. Existe comercio, existe “quero ganhar dinheiro”.

Avesso a tudo isso, fui para a rua. E tenho sofrido preconceito por ser artista de rua. Na verdade, mais sofro preconceito, (como de costume), mais ganho força. “O que você faz?” Antes eu dizia ator. Depois passei para Palhaço. Depois Acrobata. Hoje, artista de rua. Da pra ver na cara de algumas pessoas, a decepçao, principalmente quando elas vêm um video meu ou um treino.

Nao da e nao posso agradar todo mundo. é impossivel. Mas em cada espetaculo, dou meu maximo. Como se comigo estivessem 2 mil pessoas.

Entao, tinha decidido ir embora. Mas drasticamente o tempo mudou: as nuvens foram embora e o clima quente apareceu. Perfeito para um espetaculo de emergência.

Corri para o carro e preparei meu material. Pouquissimas pessoas caminhavam e tive muito medo. Pensei que talvez tudo aquilo fosse para nada. Mas, lembrei tambem das inumeras vezes em que dei a volta por cima.

Depois de tudo instalado, 100 pessoas ja estavam esperando pelo começo do show. Pensei: até que nao sera tao ruim assim. No final, tinha aproximadamente 500 pessoas comigo, chorando de rir, participando, gritando, se emocionando. Foi lindo!!! Talvez um dos melhores em minha vida até agora. Nao porque eu fui bem, nao porque o publico era bom, mas porque, depois de tanta luta, tantos problemas, tantas reviravoltas, tantas perdas, tantas desilusoes, a rua me mostrou que estou no caminho certo. Com lagrimas nos olhos escrevo novamente: estou no caminho certo. é muito dificil essa caminhada. Muitas vezes me sinto sozinho. Muitas vezes sou incompreendido. Mas, terminar meu show, pensado com tanto carinho, com tanto amor, aplaudido em pé e com pedidos de bis, com um publico que se sente “obrigado” em contribuir no chapeu porque entendeu o que você faz, NAO TEM PREçO.

A caminhada, sei que é muito longa. Faço tudo sozinho. Sem ajuda de governo, comercio, etc. Mas, minha independência, minha liberdade, so posso dizer com muito orgulho, que a tenho graças ao publico que contribui em meu chapeu. Nenhum programador de espetaculos, nenhum chefe de circo, nenhum agente me proporcionara a beleza de ser livre.

E quando me perguntam por que estou nessa vida, por que nao entro em uma companhia, dias como esse me dao a certeza absoluta de que nao devo abandonar minha missao.

Sei que amanha nao sera como hoje, mas dormirei muuuuuito gostosinho sabendo que pelo menos hoje, arrasei.

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