NOTA: APENAS PARA ESCLARECER AOS QUE VIVEM EM MARTE:
ESTOU TRABALHANDO COM O CIRQUE DU SOLEIL E SOFRI UM ACIDENTE SEXTA-FEIRA 11/10/2014 EM MOSCOW, RÚSSIA.
ATÉ O FECHAMENTO DESTA EDIçÃO, ESTAVA ME PREPARANDO PARA RETORNAR AO HOSPITAL PARA SABER SE ROMPRI OU NÃO ALGUM LIGAMENTO.
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A cena que não sai da minha cabeça é exatamente essa:
“Entro no palco para um público considerado frio e que já viu e criou tudo de mais espetacular em todo o mundo. Estou em Moscou, Rússia.
Me vejo entrando com um pouco de medo mas confiante do que sou capaz.
Após dois movimentos, escuto algo que normalmente não é feito para não interromper o artista por educação: aplausos. Me sinto mais e mais confiante. Enquanto me empolgo, a audiência me acompanha com mais euforia.
Ao final da minha performance, escuto um público aplaudindo muito. E feliz.”
Tinha tudo para continuar sendo o fim de semana perfeito. Mas não foi. Um acidente mudou todo o curso dessa história.
Estávamos cheios de trabalho. Chegamos a Moscou e tínhamos 4 dias para recolocar em “ponto espetacular” um show que tem duração de duas horas.

Os “velhos artistas”, (como eu), estavam apenas relembrando o que fazem depois de algum tempo. O mais importante era recolocar os novos artistas no contexto do espetáculo.
Acordamos cedo. Trabalhamos. Treinamos. Ensaiamos. Dormimos tarde. Acordamos mais cedo ainda. Treinamos ainda mais. Dormimos ainda mais tarde…
A verdade era que, não tínhamos mais tempo e a noite do primeiro show havia chegado.

Em minha disciplina preferida, (o mastro chinês), ao fazer um movimento muito difícil com meu parceiro de cena, erramos. Aquilo me corroeu a alma de uma forma inimaginável. Havia pedido à minha manager para poder treinar no período da tarde. Mas outras cenas estavam sendo ensaiadas e o mastro não pode ser montado.
Quando erramos, procuramos toda e qualquer mudança em nossa rotina para explicar o porquê de um acidente. Até esse momento, havíamos apenas errado uma acrobacia. Mas, em meu “mundo perfeccionista”, não posso simplesmente aceitar um erro. Principalmente quando falamos de um erro simples.
Como não teríamos hora para treinar no dia seguinte, como de costume, pedi para treinar depois do show.
Artistas foram festejar com champagne o primeiro show que havia sido muito bom. Preferi partir para o palco e continuar a repetir e fazer o que mais amo. Talvez eu devesse acompanhar os outros…
Me troquei e escutei da minha chefe: você tem uma hora. Pensei: farei o máximo que puder nesse tempo.
Então, sem perceber, fui acumulando uma sequência de “erros de escolha”, que me fizeram, em um segundo de desatenção, quase quebrar meu pé. Um acidente não acontece por causa de uma falha específica e sim “uma sequência de erros” que resultam em algo não planejado.
Mais uma vez fui acometido pelo “vírus do perfeccionismo”. Quero melhorar sempre. Não estou conformado e não me conformo. Outro dia, falando com o diretor técnico do espetáculo, ele me disse que havia trabalhado com Anthony Gato, um dos maiores malabaristas do mundo. Ele me explicou que Gato precisava repetir, todos os dias, durante 3 horas, todos os exercícios de sua performance pois, segundo ele, caso não praticasse, ele perderia tudo o que sabia fazer. Estranhamente aquilo me soou como um “conselho que o universo estava me dando para ir ainda mais longe”.
Comecei muito tarde as artes do circo e me sinto sempre atrasado em comparação aos outros. Por isso treino e repito sem parar. Aprendi nesses 9 anos de trabalho circense que, paciência também faz parte do trabalho. Mas às vezes, minha emoção fala mais forte e não tenho controle dos meus atos.
Há quase um mês recomecei a treinar como antes: de 7 a 8 horas por dia. Em meus dias de folga, minimamente 4 horas. Sinto que estou evoluindo e não quero interromper esse processo. O problema é que, quanto mais tenho, mais quero. Como uma droga. Resultado: acordo mais cedo do que de costume, treino mais, como mais, fico mais feliz mas, em contrapartida, durmo menos e consequentemente meu corpo não recupera como deveria.
Logo, este acidente, como todos os outros, veio para me ensinar que, estou no bom caminho e que minha evolução é certa. Entretanto, não devo colocar “a carroça na frente dos bois”. Tudo por um simples motivo: estou apenas começando, mesmo depois de 9 anos de experiência.