Então, diante de todo o elenco do circo e cheio de pressão, não contive a raiva e explodi: “se você não està contente com meu trabalho, mande-me embora, BETO ANDRETTA.” Ele foi obrigado a “engolir a seco”.

Foi instaurado, 30 minutos antes de cada espetáculo, “a roda”: pequena reunião para discutir o que foi feito e o que estava ou não errado. Dessa forma, (com a “temida roda”), questões referentes ao espetáculo, poderiam ser discutidas e corrigidas sempre.
Um dia resolvi abrir minha boca…. tusc! tusc! tusc!
Um dia, ao sair correndo do palco pela direita, não vi um degrau e quase torci o pé. Pensei: “Caraca! As pessoas podem se machucar aqui. Quase torci meu pé!”
Na “roda” do dia seguinte, alertei que tinha um degrau na saída do palco a direita e que seria legal se puséssemos uma madeira ou coisa parecida para evitar o “mini buraco”. Essa não era minha função, entretanto, aqui vai uma dica para mostrar um pouco de trabalho: se eu tivesse arrumado um pedacinho de madeira e colocado no “tal degrau”, e no dia seguinte dissesse: “Lembram-se do degrau? Pus uma madeirinha e ficou jóia. Mesmo assim façam atenção.”, é claro que eu ouviria: “boa cara!”. Mas não. Levei o problema 2 vezes para a “roda”. Lògico, no dia seguinte o “tal degrau” tinha virado um “enorme buraco”. Não esperava por essa, (mesmo porque não precisava de tanto), mas o RAUL explodiu e disse na frente de todos que eu tinha que ter cuidado ao sair de cena. Que era problema meu. Que se eu me machucasse, seria falta de atenção de minha parte. E total responsabilidade minha. “Engoli a seco” e pasmem, não disse nada.
Então começaram a delegar funções para as pessoas…
A Léo era a camareira e contra-regra. De quem ela gostasse, lavava as roupas, repunha acessórios, costurava… De quem ela não gostasse, ela dizia: “O RAUL não liberou dinheiro para comprar outra sapatilha”; “o RAUL não permitiu repor a lanterna”; “o RAUL disse que lavar as roupas toda semana irà estragà-las”. Ela me odiava porque um dia ela veio brincar comigo e disse que seria igualmente capaz de fazer a protagonista pois tinha diversos cursos de teatro e tals. Não fui grosso, disse “que bom!”. Em seguida ela me perguntou: “o que foi? você acha que não sou capaz?” Como bom “moleque” que perde o amigo e não a piada, respondi: “claro que você é capaz. Mas viu, você pode lavar minha camisa essa semana?”
Nunca mais ela tocou na minha roupa. Ahahahahhahaha! Faz parte.

Um dia na “roda”, o RAUL chegou e disse que ali ele era artista, que tinha milhões de problemas e que naquele momento ele queria descontrair. Curtir para fazer um bom show. Mas, se a porra da sapatilha escorregava e a merda da mulher responsável não queria resolver, eu iria reclamar pra quem? Então, caros amigos, é por isso que existe tanta burocracia em sua vida cotidiana para tudo. Você não pode ter acesso ao chefe, porque você incomoda.
Com esses primeiros exemplos, você pensarà que eu sou o chato. Mas, quando você vê todo mundo falando com o chefe, trazendo problemas dos mais diversos, (mesmo depois dele dizer que não queria mais ouvir problemas), e o chefe soluciona todos os problemas rindo, você se pergunta: “por que sò comigo é diferente?”
Quando entrei no circo Roda Brasil, lembro que estava eufórico e feliz. Mas sempre ouvia o Felipe (acrobata) dizer: “Cara! Abra o olho! Não é tudo mil maravilhas não. Eu já trabalhei com eles no Stapafurdyo e sofri pa caceta. Eles são muito espertos e a verdade é que sempre vai entrar. O jeito é você tentar encontrar a maneira de deixar entrar bem devagarinho. Mas que vai entrar “nocê”, isso vai. Abra o olho.”
São Paulo………….. Jundiaì ………….. Cubatão ………….. Caraguatatuba ………….. São José dos Campos ………….. Curitiba …………..

Começamos a viajar quase todos os dias para a cidade de Jundiaì. Iamos e voltàvamos porque segundo eles, o hotel era caro demais para hospedar todos os artistas e contra-regras. Logo, a melhor solução era viajar de ônibus todos os dias. Cansativo demais mas, qual o problema né? Detalhe: tínhamos que nos encontrar no metrô Barra Funda. Mas, quem pagava a passagem da minha casa até o metrô? Nem preciso dizer que meu salário. Mas, para “os queridinhos” passagem e às vezes hotel.
Nas viagens, vi, diversas vezes, pessoas trazendo pessoas no ônibus do circo. Sempre tinha namorada, amigo, familia… Enfim, uma gama de pessoas “desconhecidas”. Nunca ouvi nenhum comentário a respeito. Nunca ouvi reclamação.

Um dia, o “idiota aqui”, resolveu convidar duas amigas para assistir ao show e ir no ônibus do circo. Viagem feita, tudo lindo, as meninas esperando o show começar…
_ “Roda”! – gritou o Raul. Pensei: “Xiii! Pelo tom, acho que alguém vai se dar mal hoje.” E foi mesmo…
_ “Faxinha!” Quem foi que te deu o direito de trazer alguém no ônibus? Quem você pensa que é? Agora eu não entendi: você é chefe ou funcionário? Porque se for chefe, eu vou pedir um aumento pra você. Isso aqui não é sua casa. Isso aqui é uma empresa. Isso aqui tem dono e esse dono não é você! E blà, blà, blà….
Eu tenho que concordar que vacilei em ter levado as meninas. Trabalho é trabalho. Vacilei também em não me informar antes de fazer qualquer coisa. Ficou a lição.
Ah! Para aqueles que me conhecem e perguntam: “Eu te conheço Raul. Vai me dizer que não fez ou disse nada?” Fiz. Chorei e engoli a seco, na frente de todos.
O RAUL até veio depois e em “off”, (ou seja, sem ninguém estar por perto), me pediu desculpas.
Comecei ganhando 2 mil reais. Nada mal para os tempos modernos de circo. O engraçado é que assinamos um contrato para os dois primeiros meses. Depois para todas as outras cidades TRABALHAMOS SEM CONTRATO. Sem experiência não entendia muito e nem questionava afinal, “prego que se destaca, leva martelada” e lògico, jà tinha levado umas boas “marteladas” em vàrias “rodas”.
Recebíamos pela Cooperativa de Circo que tirava uma pequena fatia do nosso salário para “não sei o quê”. Até hoje não entendi. Não podìamos ser registrados porque era caro demais registrar. Não tìnhamos plano de saùde. Não tìnhamos fisioterapeuta ou massagista. Se algum artista se machucasse, estava totalmente fodido: “saùde pùblica queridão!”
E como em todo trabalho, eu pagava impostos para o filho da puta do governo. No final das contas, eu pegava R$ 1.624,00 de um total de 2 mil.
O que fiz? Aluguei uma vaga em uma pensão para ficar perto da escola de circo; fiz um plano de previdência para mim e meu filho Vinicius; (ah! A pensão merece um capítulo a parte porque eu tive contato com ladrões, boas pessoas, drogados e o Hélio, meu grande irmão piauiense. Mas essa, será outra história).
Pagava a escola de circo, meu aluguel, minha alimentação e previdências. Pronto, o dinheiro ia embora. Claro que, eu saía também afinal eu tinha apenas 21 anos.

Decidi comprar uma bicicleta para facilitar a locomoção (porque, com o dinheiro da passagem que eu pagava, seria mais barato ir de bike) e um microondas de dia das mães para minha vò, além de fazer um pequeno plano pós pago para o meu celular. Acho que, coisas normais para um ser humano normal. Nada de drogas ou coisas “extra-extravagantes”: apenas tudo que sempre quis poder comprar com o suor do meu trabalho.
Nòs recebíamos mensalmente. “Dois mil”. Quando estava para terminar Jundiaì, o “queridìssimo” BETO “MUTRETA” veio nos falar sobre CARAGUATATUBA. Não irìamos ficar em hotéis. Ìamos dividir duas casas. Sendo mais claro: “os queridinhos” em uma casa e “os fodidinhos” em outra.
Mas, o que é mais importante é a “sacada” que eles tiveram para nos segurar e nos foder literalmente…
Estávamos entrando em dezembro e como não estàvamos em nenhuma cidade, eles decidiram, para “segurar os artistas e o bom nìvel do espetàculo”, (segundo eles), pagar o mês de dezembro mesmo que não trabalhàssemos. Ou seja, eram dois mil por 24 espetàculos. Fizemos 8 em dezembro, (Cubatão), e mais um evento para a PIA FRAUS. Sobraram 15 espetáculos. Escutamos: “depois nós vamos cobrar esses espetàculos.” E eles cobraram mesmo… De uma forma desonesta e filha da puta.

Todo mundo feliz e com dinheiro garantido para o natal, disse sim para a proposta do Beto. Até lembro que o Fausto disse que aquilo não estava cheirando muito bem. Jà eu, pensei que estavam bem intencionados.
16 espetàculos. “Ah! Esqueci o detalhe mais importante”, completou o BETO: “Hoje vocês ganham “dois mil” por mês. A partir de janeiro vocês ganharão por espetáculo.” Ainda absortos pela notícia de ficar empregado e com dinheiro no natal, todos disseram sim para mais essa proposta. Detalhe: não assinamos nada.
Isso quer dizer, que depois de um tempo, seria impossìvel completar 24 espetàculos no mês, uma vez que normalmente, apòs mudar de cidade, começarìamos a fazer, no màximo, 20 espetàculos. Nunca ìriamos chegar a 2 mil por mês de novo. Na verdade, eu nunca cheguei.
De R$ 1.600 passei a receber R$ 1.200.
E como o elenco recebia de forma diferente, (uns mais, outros muito mais e outros muito menos), a maioria (que ganhava mais), não abria a boca. Nessa, quem se fodia muito bem eram os meninos dos patins e eu.
Como eles eram “bonzinhos”, não iriam cobrar todos esses “espetàculos que devìamos” em Caraguatatuba ou em São José dos Campos. Não! Eles iriam cobrar no Festival Internacional de Curitiba. Por que serà? Simples: no Festival de Curitiba, rolou muita, muita, muita, muita grana. Cogitava-se falar em aumento, uma vez que, cada vez mais nossas funções aumentavam e o salàrio diminuìa. Mas, como podemos falar em aumento de salàrio se estamos devendo para o nosso chefe?
Fim da segunda parte
!!!
sempre é bom ouvir o outro lado né?
putz…
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é carlito. Imagino que vc não ouviu bem assim quando falaram de mim.
Bem, nao estou para condenar, apenas para expor.
Espero que mude para o futuro.
Obrigado por estar conosco Suguita!!!
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